Foto: Reprodução Internet
Por: João Cássio*
ARTIGO - Há vinte anos, em setembro de 1996, quando a internet ainda engatinhava no Brasil, minha banda de rock nacional do coração, Legião Urbana, lançava o mais sombrio e depressivo de seus álbuns: A Tempestade (ou O Livro dos Dias). Sétimo álbum de estúdio do grupo e com quinze faixas, ele deveria ser um disco duplo juntamente com as canções que posteriormente fariam parte do disco póstumo "Uma Outra Estação", mas a ideia foi recusada.
Apesar de conter pitadas de humor em uma ou outra música, A Tempestade retrata um Renato Russo frágil, sem a potência vocal que o caracterizava, mantendo apenas – ainda que em doses muitas vezes carregadas – a melancolia e o lirismo que marcaram a fase pós-punk do grupo. O vocalista sequer tirou fotos para o álbum. Por outro lado, profissionais que conviveram com ele naquela época contam que, apesar da debilidade, Renato se esforçou como nunca para concluir as gravações. Parecia que queria deixar uma espécie de registro de sua tragédia pessoal para os fãs.
“Esperando Por Mim” é a faixa mais profunda do álbum e a que melhor sintetiza, com honestidade e beleza, os traços estilísticos do compositor e a consciência que ele tinha do momento vivido. Em seus versos mais lúcidos – alguns dirão “pessimistas” – ele escreve: “Digam o que disserem/o Mal do Século é a solidão/Cada um de nós imerso em sua própria arrogância esperando por um pouco de afeição”.
Renato Russo morreu em outubro de 1996 – devido a complicações decorrentes do vírus HIV – um mês depois do lançamento do disco que vendeu quase um milhão de cópias na época e recebeu certificado com disco de Platina triplo pela ABPD. Perdemos uma alma de sensibilidade ímpar. Uma sensibilidade que soube captar muito bem as mazelas de seu tempo e que, também por não saber lidar com todo o peso dessa realidade, acabou se deixando levar pela vida desregrada que lhe custou a vida.
Assim, o artista não pode acompanhar as consequências do avanço tecnológico das comunicações nas mentes despreparadas dos jovens, seu principal público. Hoje, com a popularização da internet e o aparecimento de seus “avatares” alheios ao autoconhecimento, o fingimento e a “solidão coletiva” são compartilhados em escala viral, e as pessoas sequer se perguntam como usar os novos meios disponíveis de forma mais inteligente, para gerar mais felicidade.
A grande rede é um festival de fotos alegres que mascaram almas tristes, deixando na esfera íntima a sensação de que todos ao redor estão felizes menos “eu”. E, no lugar de se aceitar a própria miséria interior como princípio da solução, prefere-se fugir da realidade, alimentando o círculo vicioso do fingimento. Renato Russo foi um artista “pré-internet”. Se estivesse vivo hoje, talvez concordaria que, em tempos de autoengano “viralizado”, o mal do século é a ilusão.
*Jornalista, cantor e compositor.